Por Tácito Costa
O título deste texto não é um mero jogo de palavras com o nome de um dos melhores romances de Gabriel García Márquez.
Para alguém tão ligado à literatura quanto eu, é impossível não ver referências na narrativa que condena Santiago Nasar à morte e levará o ex-presidente Lula da Silva à prisão.
Em Riohacha, o povoado inteiro sabe que o jovem Nasar será assassinado pelos irmãos Vicario. Menos ele. No Brasil todos tem consciência de que a prisão de Lula é uma questão de tempo.
A diferença da ficção para a realidade é que Lula sabe que será preso. Ao contrário do personagem principal de “Crônica de uma morte anunciada”, que desconhece o risco fatal que corre.
Ontem, o ex-presidente, que já é réu em dois processos, foi novamente denunciado pelo Ministério Público. Desta vez, pelo menos, não teve espetáculo. A reprimenda de Teori parece que deu resultado.
Foi, no entanto, mais um curto capítulo na narrativa – acelerada nos últimos meses – que levará o ex-presidente à cadeia e ao fim da Lava-Jato. Com o “grande general”, o “comandante máximo”, “maestro da orquestra criminosa”, o chefe da “propinocracia” fora da disputa de 2018 e o PT atingido por tabela fortemente, a operação perde parte do seu sentido original.
Até agora, o que se viu foram ensaios visando esse gran finale, como a condução coercitiva, o grampo da fala dele com Dilma e aquele espetáculo armado pelo procurador Dellagnol, tentando mostrar que convicções são mais importantes que provas.
Esses ensaios serviram, digamos assim, de laboratório. Tiveram como objetivo tornar mais claro para o demiurgo Moro o que poderá ocorrer após a prisão de Lula. A essa altura, ele já tem a resposta. Que é igual a nossa. Nada. Tal qual se deu com o golpe que depôs Dilma.
O judiciário, através do TRF 4, já deixou claro que a Lava-jato não precisa seguir as regras de processos comuns (aqui). Mas o estupro da Constituição não parou por aí. Caiu o trânsito em julgado, a inviolabilidade do lar e as dez medidas contra a corrupção aprofundam o estado de exceção.
O direito assegurado na Constituição de manter fontes jornalísticas sob sigilo está sob grave ameaça. E o inefável Gilmar partiu pra intimidar quem ousa acreditar que a liberdade de expressão ainda vigora em plenitude no país.
Antes, já havia sido aprovada, sob Dilma, a Lei anti-terrorismo. Então, não há muita margem para reação popular. E Temer e o seu impoluto ministro da Justiça não terão o menor pudor em colocar as Forças Armadas na rua para “acalmar” os que discordam da “democracia” concebida por ambos.
Enfim, o quadro é muito preocupante. Não apenas pela prisão anunciada de Lula, baseada em convicções e crença. Mas pelo avanço paulatino de medidas que enfraquecem a cidadania, o estado de direito e reforçam o terror e o estado de exceção.
Ironia e desalento é que tudo esteja sendo feito sob os olhos cúmplices do STF, que, em tese, deveria defender a Carta Magna. Mas lembremos de 1964, quando este mesmo supremo disse amém aos generais.
A questão que levantei há poucos dias em bate-papo com amigos é se a prisão de Lula antecederá a de Cunha ou se ocorrerá depois.
Tenho a impressão que a prisão de Cunha deverá vir antes porque prepararia o terreno para o bote seguinte. Daria a Lava-jato o verniz (falso, diante de tudo que já vimos) de imparcialidade, de que “pega” todo mundo, não discrimina e nem é dirigida. É esperar pra ver. Façam suas apostas.
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