Do Congresso em Foco
O general da reserva Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado Maior do
ministério da Defesa, admitiu a intervenção militar como saída para a
crise política que envolve os três Poderes da República. Em artigo
publicado ontem, no jornal O Estado de S. Paulo, o militar escreve: “Se o
clamor popular alcançar relevância, as Forças Armadas poderão ser
chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e das instituições”.
Um dos mais influentes militares das gerações que atuaram durante a
ditadura militar, o general faz uma análise da situação política
brasileira, critica o Congresso Nacional e até o governo. Segundo ele, a
elite política empurra o Brasil para o brejo. Sob o título de “Alertar é
Preciso 2”, o artigo do general diz que as Forças Armadas serão a
“última trincheira defensiva desta temível e indesejável ida para o
brejo”. E conclui: “Não é apologia ou invencionice. Por isso, repito:
alertar é preciso”.
Reincidente
Esse não é o primeiro artigo do general Bini fazendo análise política
e propostas de solução. Em novembro de 2015, ele escreveu outro texto e
o veiculou no mesmo jornal, com o mesmo título, em que fazia uma
análise também catastrófica da situação política daquele momento.
No texto do ano passado, o militar lembra que um colega general, em
documento interno, alertou para o agravamento da crise institucional,
que poderia conduzir o país a uma “caótica conjuntura”. “Nesse casão, as
Forças Armadas teriam de ser empenhadas e, por isso, deveriam estar
adestradas”, escreveu.
Leia a íntegra do artigo veiculado ontem:
Alertar é preciso 2
Por Rômulo Bini Pereira
A renomada escritora e jornalista Cora Rónai, em lúcido artigo,
fez um alerta: ‘(…) um país vai para o brejo aos poucos construindo uma
desgraça ponto por ponto (…)’. Felizes palavras em face do momento
crítico pelo qual passa a Nação brasileira. Em cima de um conhecido
ditado popular, ao citar o termo brejo, fez uma sutil alusão a indicar
para onde caminha o Brasil.
A inesperada e incorreta invasão promovida recentemente na Câmara
dos Deputados por um grupo de manifestantes é uma dessas ‘desgraças’.
Membros do governo, lideranças políticas e a imprensa expressaram seu
desacordo e sua indignação quanto à invasão e enquadraram o grupo de
manifestantes como representantes da ‘direita’ e, até para alguns, da
‘extrema direita’. Esse enquadramento teve como origem a utilização de
palavras de ordem que exigiam intervenção militar. O ministro da Defesa
declarou que os militares não aprovaram o ato e permanecem em
observância dos preceitos constitucionais, atitude que as Forças Armadas
vêm adotando desde 1985.
A invasão suscita, entretanto, algumas considerações em razão do
cenário político não só do País como do mundo. Os adeptos da adoção de
uma intervenção militar vêm crescendo visivelmente. Não se tem
conhecimento se são adeptos de uma ação direta manu militari ou de um
apoio total e participativo num novo governo não eleito pelo voto
popular. São cidadãos de meia-idade que conviveram com o regime militar e
consideram o período de proveito para a sociedade brasileira. Por terem
a mesma visão, a eles se juntam jovens revoltados e sem esperanças de
melhoras na crise que o País vive. Já não se intimidam com o
patrulhamento e com o ‘politicamente correto’ tão apregoado no Brasil.
Alegam que as Forças Armadas cultuam princípios e valores que não veem
em outras instituições e que elas seriam a única solução para a crise
atual.
No cenário mundial, dois fatos políticos recentes suscitam também
observações válidas: as eleições presidenciais nos Estados Unidos e o
plebiscito que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia
(Brexit). As análises feitas por institutos de pesquisa mostram que a
principal causa dos surpreendentes resultados é creditada aos governos
centrais e suas instituições, que se afastaram das opiniões e dos
interesses de suas respectivas populações. Acrescentam que houve uma
verdadeira desaprovação, por parte dos eleitores, dos defensores do
‘politicamente correto’, isto é, votaram contra opiniões e pareceres dos
intelectuais, de segmentos do mundo artístico e cultural e, ainda, da
mídia em geral. Todos davam como certa a vitória das propostas
derrotadas. Uma discordância dos que se arvoram a ditar e impor
propostas e ações afastadas da realidade de seus povos.
Em 8 de novembro de 2015, este jornal publicou artigo intitulado
Alertar é preciso, no qual questionei se as instituições maiores estavam
consolidadas e funcionando corretamente. Passado um ano, reafirmo o meu
questionamento com uma agravante. O segundo artigo da Constituição está
em vigor ou é um princípio fundamental inócuo?
No Legislativo, sabemos agora que a Câmara dos Deputados não é um
cartório, e sim que três centenas de deputados fizeram ‘’“emendas à
meia-noite” a desvirtuar as medidas anticorrupção propostas pelo povo
brasileiro. O presidente do Senado, considerado réu pelo STF por
acusação de peculato, confrontou e desobedeceu a uma decisão monocrática
de juiz da Suprema Corte, fato que fere qualquer sistema dito
democrático. E para agravamento do quadro político, é grande o número de
parlamentares envolvidos em processos judiciais. Uma ‘desgraça’ sem
precedentes.
No Judiciário os brasileiros ainda depositam esperança, graças ao
corajoso desempenho dos juízes de primeira instância. Nas instâncias
superiores o quadro é diferente. O esdrúxulo direito de foro
privilegiado acarreta uma sobrecarga de processos no STF, o que lhe dá
uma pauta extensa e criticada e indesejável morosidade. Com a
transmissão de suas sessões pela TV, constata-se que são graves as
divergências pessoais entre alguns de seus membros. E a presença da
política partidária faz-se notar. A divulgação de altos salários no
Judiciário – ditos legais, mas imorais –, o ‘fatiamento’ de artigo da
Constituição aprovado pelo ex-presidente da Corte no processo de
impeachment e o desgastante e inédito processo envolvendo o presidente
do Senado afetaram a imagem e a credibilidade da instituição.
No Executivo, a situação econômica indefinida, o possível
envolvimento da equipe governamental em atos de corrupção, o desgastante
processo das tratativas parlamentares para a aprovação de propostas
úteis para o País e uma oposição agressiva são aspectos que,
gradativamente, fragilizam e deixam acuado o governo. Já se fala em
novas eleições e até mesmo em deposição. A atual oposição esqueceu-se de
que foi a única responsável pela calamidade que tomou conta do País.
Governou durante 13 anos, deixou-o na bancarrota e instituiu uma
imoralidade sistêmica. Está em pleno processo de “vitimização” e já
defende, histericamente, as manifestações radicais de rua com ações e
depredações. É o mesmo modus operandi de passado recente.
É nesse cenário de ‘desgraças’ que as instituições maiores e seus
integrantes deverão ter a noção, a consciência e a sensibilidade de que
o País poderá ingressar numa situação de ingovernabilidade, que não
atenderá mais aos anseios e às expectativas da sociedade, tornando
inexequível o regime democrático vigente. O aludido brejo é
significativo. É um caso, portanto, a se pensar.
Desse modo, se o clamor popular alcançar relevância, as Forças
Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e
das instituições. Elas serão a última trincheira defensiva desta
temível e indesejável ‘ida para o brejo’. Não é apologia ou
invencionice. Por isso, repito: alertar é preciso.
*General de exército, foi chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa
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